Problema
A longa espera de quem tem pressa
Pacientes oncológicos de Pelotas e 27 municípios do Sul do Estado enfrentam longa fila para ter acesso a radioterapia
Carlos Queiroz -
"Você tem câncer." Essa é uma frase que ninguém quer ouvir e certamente a notícia que médico algum gosta de dar. Ainda sabendo da necessidade de início rápido do tratamento para aumentar chances de recuperação e, no caso de Pelotas, das dificuldades para acesso à radioterapia. Desde que o Hospital-Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE/UFPel) deixou de prestar o serviço, lá se vão quase dez meses em que apenas a Santa Casa de Misericórdia assiste os pacientes dos 28 municípios da 3ª e da 7ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS). O resultado: hoje 80 pessoas aguardam na fila por atendimento. Gente que já deveria estar sob cuidado terapêutico para curar ou, pelo menos, controlar o avanço de suas doenças.
Apesar do esforço da equipe do Centro de Radioterapia e Oncologia (Ceron) da Santa Casa, que ampliou seu horário e sobrecarregou o único aparelho radioterápico existente para dar conta de até 92 sessões por dia, isso não tem sido suficiente. A cada semana que passa aumentam os casos de pacientes oncológicos pelotenses e das demais cidades que ficam na fila de espera por mais tempo do que deveriam. Enquanto médicos afirmam que o ideal seria iniciar os cuidados em até 30 dias, uma norma federal em vigor desde 2013 estabelece o prazo máximo de dois meses após o diagnóstico para que isso ocorra. Só que nem sempre a Lei 12.732 é cumprida.
Dona Ulda de Moura não conhece este direito. Aos 78 anos, o que sabe é que há cinco meses convive com um câncer na garganta e ainda não conseguiu iniciar as sessões de radioterapia. Para tentar evitar a progressão do tumor, uma vez por semana deixa sua casa no Jardim América, no Capão do Leão, e enfrenta sessões de quimioterapia em Pelotas. "Não sou só eu que preciso, tem muita gente que depende disso e tem que ficar numa espera que anda devagar. Temos pressa", diz. E é muita gente mesmo. De acordo com a oncologista Claudia Pizarro, chefe da Unidade de Radioterapia do HE/UFPel, cerca de 70% dos cânceres devem ser submetidos, em algum momento, a esta intervenção.
A premência por agilidade na fila não é só de quem tem a doença. É também de profissionais que diariamente lidam com os dramas de enfermos e familiares. Sobretudo quem atende nos municípios menores, com infraestrutura paliativa inferior. Alguns relatam que, diante do desespero, há quem encontre formas de burlar a espera. "Já vi gente que estava no final da fila e iniciou as sessões antes trocando o endereço para Rio Grande. Fiquei feliz por ele ter sido atendido, mas e quem estava à frente na fila, como fica?", questiona uma enfermeira que prefere manter o anonimato.
Sem o HE, Rio Grande é a opção
Desde que foi obrigado em dezembro de 2016 a desativar seu aparelho radioterápico, em uso desde 1978 e considerado obsoleto pela Comissão Nacional de Energia Nuclear, o HE/UFPel busca formas de voltar a prestar o serviço, que atendia uma média de 80 pessoas por dia. Após três tentativas fracassadas de contratar uma empresa para instalação de um acelerador linear (sistema mais moderno de radioterapia) e construção do bunker (casamata de concreto e chumbo maciços para conter a radiação), finalmente na última terça-feira foi dada a ordem para a execução. Contudo, segundo a superintendente do hospital, Vera Silveira, o investimento de R$ 2,4 milhões custeado pelo Ministério da Saúde não ficará pronto antes de julho de 2018, daqui a nove meses.
Mas e até lá, o que fazer para evitar que a fila cresça e o câncer de dezenas se agrave? A saída, indicam gestores, é seguir o mesmo caminho do paciente citado anteriormente: procurar vaga na Santa Casa de Rio Grande. Entretanto, sem furar a fila. "Equipes das secretarias de Saúde de Pelotas, Rio Grande e da 3ª CRS farão uma avaliação no hospital para verificar se há condições de absorver quem aguarda", explica Gabriel Andina, coordenador regional de Saúde. Como a radioterapia rio-grandina está operando com dois terços da capacidade, há margem para que pelo menos mais 30 pessoas sejam atendidas. "A ideia é que a partir de outubro já sejam encaminhados pacientes da região de Bagé, que fazem parte da 7ª CRS", completa Andina.
Pela região
Com pacientes de seus municípios aguardando na fila, secretários de Saúde da região torcem por uma solução. Embora tentem passar um ar de tranquilidade ao falar sobre o tema, confirmam que o tempo de espera por terapia está bem maior desde o fim do ano passado. "Houve quem aguardasse 80 dias até que chegasse a vez de fazer rádio para um câncer de mama", lamenta Andreia Schmechel, de Arroio do Padre. Já a ex-gestora de Saúde em Pelotas e atual secretária em São Lourenço do Sul, Arita Bergmann, nega que os seis moradores do município na fila aguardem há mais de dois meses. "Estão dentro do prazo estabelecido por lei. Tivemos problemas em maio, mas que foram solucionados", afirma.
Tratamento rápido e planos
Quando recebeu o diagnóstico de uma leucemia linfoide aguda logo após o Natal de 2015, Handrya Roldan Ávila, 20, tinha um plano: ser aprovada em Medicina na UFPel e tornar-se oncologista. No entanto, a notícia da doença a fez mudar a rota. "Foi um baque. Fiquei mais de três meses internada, em isolamento. Minha vida parou e nada mais interessava que não fosse a minha saúde", recorda.
Sorridente e em fase final de tratamento, a jovem conta que teve a sorte de, naquele momento, ainda poder contar com o funcionamento da radioterapia do HE/UFPel, onde fez 12 sessões associadas à quimioterapia. "Como descobri a doença e iniciei o tratamento cedo, minhas chances de recuperação eram de mais de 80%. Tive tudo que precisei, pois se dependesse de uma espera maior as possibilidades de cura seriam menores."
Agora, acompanha a agonia de outras pessoas e deseja ver o quanto antes o fim da fila radioterápica. E projeta estar, dentro de alguns anos, cuidando ela mesma de pacientes oncológicos.
Para o ano que vem
Se hoje 28 municípios têm como referência em radioterapia apenas o aparelho na Santa Casa, a expectativa é que em alguns meses possam ser três, todos novos. Com isso, ao invés dos 92 pacientes/dia, Pelotas ampliaria a capacidade para atender cerca de 300 pessoas.
HE/UFPel - Além do acelerador linear que deve operar a partir de julho de 2018, o hospital tenta garantir outro aparelho, do mesmo modelo, para o bloco 3 do novo Hospital-Escola, em construção. O local já conta com um bunker que comportaria o equipamento.
Ceron - Também contemplada pelo Plano de Expansão da Radioterapia do Ministério da Saúde, a Santa Casa deve iniciar este mês a construção de um bunker para instalação de um novo acelerador linear para substituir o atual, operando há 15 anos. Conclusão prevista para julho de 2018.
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